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O advogado também pode investigar um crime?




A investigação criminal defensiva ganhou força no Brasil após a atribuição de poderes investigatórios ao Ministério Público e com a edição do provimento n.º 188/2018 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

O tema da investigação criminal defensiva é tratado de maneira tímida pela comunidade jurídica, mas é visto como um avanço embrionário na regulamentação da advocacia defensiva. Para o jurista Edson Luis Baldan, o provimento não inovou na ordem jurídica, mas surgiu como um contraponto da investigação criminal convencional.


O atual Código de Processo Penal não contemplou o instituto da investigação criminal defensiva – até mesmo porque o Código de Processo Penal pátrio é de 1941. Entretanto, o Projeto Lei de Novo Código de Processo Penal (Lei n.º 8045/2010) dispõe, ainda que de maneira tímida e extremamente criticada, que é facultado ao investigado, por meio de seu advogado, a iniciativa de identificar fontes de prova de defesa. Que o advogado pode entrevistar pessoas e, após, anexar tais provas nos autos de inquérito policial, a critério da autoridade competente.


Em âmbito normativo os advogados brasileiros possuem como diretriz à advocacia defensiva apenas o provimento n.º 188/2018 do CFOAB, que foi promulgado no dia 11 de dezembro de 2018, pelo Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, à época Dr. Cláudio Lamachia.


O provimento n.º 188/2018 regulamentou o exercício da prerrogativa profissional do advogado no que tange à realização de diligências investigatórias para a instrução em procedimentos administrativos e judiciais. Vejamos o provimento:

O CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo art. 54, V, da Lei n. 8.906, de 4 de julho de 1994 – Estatuto da Advocacia e da OAB, e considerando o decidido nos autos da Proposição n. 49.0000.2017.009603-0/COP, RESOLVE:

Art. 1° Compreende-se por investigação defensiva o complexo de atividades de natureza investigatória desenvolvido pelo advogado, com ou sem assistência de consultor técnico ou outros profissionais legalmente habilitados, em qualquer fase da persecução penal, procedimento ou grau de jurisdição, visando à obtenção de elementos de prova destinados à constituição de acervo probatório lícito, para a tutela de direitos de seu constituinte.

Art. 2º A investigação defensiva pode ser desenvolvida na etapa da investigação preliminar, no decorrer da instrução processual em juízo, na fase recursal em qualquer grau, durante a execução penal e, ainda, como medida preparatória para a propositura da revisão criminal ou em seu decorrer.

Art. 3° A investigação defensiva, sem prejuízo de outras finalidades, orienta-se, especialmente, para a produção de prova para emprego em:

I – pedido de instauração ou trancamento de inquérito;

II – rejeição ou recebimento de denúncia ou queixa;

III – resposta a acusação;

IV – pedido de medidas cautelares;

V – defesa em ação penal pública ou privada;

VI – razões de recurso;

VII – revisão criminal;

VIII – habeas corpus;

IX – proposta de acordo de colaboração premiada;

X – proposta de acordo de leniência;

XI – outras medidas destinadas a assegurar os direitos individuais em procedimentos de natureza criminal.

Parágrafo único. A atividade de investigação defensiva do advogado inclui a realização de diligências investigatórias visando à obtenção de elementos destinados à produção de prova para o oferecimento de queixa, principal ou subsidiária.

Art. 4º Poderá o advogado, na condução da investigação defensiva, promover diretamente todas as diligências investigatórias necessárias ao esclarecimento do fato, em especial a colheita de depoimentos, pesquisa e obtenção de dados e informações disponíveis em órgãos públicos ou privados, determinar a elaboração de laudos e exames periciais, e realizar reconstituições, ressalvadas as hipóteses de reserva de jurisdição.

Parágrafo único. Na realização da investigação defensiva, o advogado poderá valer-se de colaboradores, como detetives particulares, peritos, técnicos e auxiliares de trabalhos de campo.

Art. 5º Durante a realização da investigação, o advogado deve preservar o sigilo das informações colhidas, a dignidade, privacidade, intimidade e demais direitos e garantias individuais das pessoas envolvidas.

Art. 6º O advogado e outros profissionais que prestarem assistência na investigação não têm o dever de informar à autoridade competente os fatos investigados.

Parágrafo único. Eventual comunicação e publicidade do resultado da investigação exigirão expressa autorização do constituinte.

Art. 7º As atividades descritas neste Provimento são privativas da advocacia, compreendendo-se como ato legítimo de exercício profissional, não podendo receber qualquer tipo de censura ou impedimento pelas autoridades.

Art. 8º Este Provimento entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário.[1]

Referido provimento explica o que é considerado investigação criminal defensiva; as fases da persecução criminal em que a investigação pode ocorrer; o objetivo da investigação; o papel do advogado e do assistente e que se trata de ato privativo da advocacia, que não pode ser punido por censura ou impedimento pelas autoridades.


Como dito, o provimento é privativo da advocacia e o advogado em nome próprio ou por meio de terceiros pode investigar para elucidação dos fatos em proveito do cliente.


Alguns juristas entendem que esse provimento foi de extrema importância, principalmente no que se refere aos interesses do cliente que é perseguido pela Lei 12.846/2013, a qual responsabiliza no âmbito administrativo e civil pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.


Gabriel Bulhões pontua que a investigação criminal defensiva já era admitida de maneira implícita no Brasil, eis que a Constituição Federal e outros tratados internacionais asseguram a ampla defesa ao réu e o direito de o cidadão fazer tudo que não tem vedação legal expressa.


Assim sendo, o advogado criminalista tem total liberdade para atuar na investigação criminal defensiva, “desde que respeite os tratados internacionais de direitos humanos, as normas do bloco constitucional, as leis e deveres ético-administrativos.[2]


Em que pese o provimento seja bem claro a respeito do que é a investigação criminal defensiva, importante trazer à baila a definição doutrinária sobre essa temática.


Gustavo Henrique Badaró dispõe que a investigação criminal defensiva está relacionada com o direito à prova e o direito à investigação, de modo que negar tal direito à defesa vai contra o princípio da paridade de armas, haja vista que o Estado possui todo um aparato jurisdicional para a investigação dos crimes:


Mormente no caso da investigação criminal, em que há um aparato estatal organizado e estruturado – a Polícia Civil e Federal – para realizar a atividade investigativa das fontes de prova de interesse da acusação, negar à defesa tal direito seria defender uma inadmissível iniquidade, violadora da paridade de armas. Nem se argumente que a Polícia Judiciária teria interesse na “descoberta da verdade” e, portanto, buscaria elementos de prova que confirmassem a hipótese investigada quanto a eventual inocência do suspeito. Na prática, tal postura mostrou-se irrealizável, tendo a polícia clara propensão a buscar as fontes de prova acusatória, não se preocupando com elementos defensivos.[3]

Edson Luís Baldan dispõe que, reiteradamente, o advogado tem seu serviço obstaculizado e vilipendiado socialmente; que o advogado pode atuar tanto na defesa do acusado quanto para o exercício da ação penal, assim, o advogado possui o poder de defender e acusar. Nesse sentido, é que a investigação criminal não se destina apenas à formação da opinio decti, pois a investigação defensiva serve (também) para garantir à defesa do acusado, sob pena de ofensa ao princípio da paridade de armas.

Investigar não é atividade inédita ou estranha à lida defensiva. Também por isso, uma análise desarmada e criteriosa do Provimento CFOAB 188/2018, pioneira norma disciplinadora da investigação defensiva no Brasil, revelará que tal diploma administrativo de natureza meramente regulamentar não inova a ordem jurídica e tampouco veicula qualquer dispositivo que tenha o potencial de restringir ou privar o exercício de quaisquer dos direitos individuais consagrados em sede constitucional, mesmo aqueles não sujeitos à reserva de jurisdição. Também não obstrui ou embaraça a atuação de quaisquer agentes ou agências estatais envolvidas na persecução criminal. Fala-se, simplesmente, na sistematização do salutar direito de o advogado defender-se provando, essência do mister defensivo, imprescindível à prestação de “Justiça” (em sua mais elevada pureza semântica).[4]

Gabriel Bulhões preceitua que a investigação criminal defensiva não se confunde com a função de polícia judiciária, tendo em vista que a polícia judiciária apenas investiga infrações e a investigação defensiva tem por objetivo apurar questões que contribuam na defesa do cliente.

Augusto Mendes Machado conceitua a investigação defensiva:

Como procedimento investigatório realizado pelo defensor do imputado, em qualquer momento da persecução penal, com eventual auxílio de assistentes técnicos, apartado dos autos de investigação pública, com o objetivo de reunir elementos favoráveis a seu cliente.[5]

Frankyn Roger Alves Silva, Defensor Público, prevê que a investigação defensiva “permitirá que o imputado possa contribuir no esclarecimento dos fatos, avaliar como deve ser o seu comportamento na relação processual, valorar a pertinência de aceitação de acordos processuais e institutos despenalizados.”[6]


Já para o Delegado de Polícia Henrique Hoffmann, a investigação criminal é privativa da polícia (art. 144, §§ 1º e 4º, CF). Hoffman critica órgãos públicos e privados que se autointitulam como legitimados de atuar na investigação criminal, pois segundo ele, a Constituição Federal outorgou tal poder apernas às polícias, sendo que, agir de modo contrário viola o princípio da legalidade.


Hoffman destaca que a concentração da investigação policial garante imparcialidade. Ele acrescenta que nem a vítima, suspeito, detetive profissional ou advogado podem investigar e caso achem alguma fonte de prova, tais sujeitos devem repassar a informação à polícia, eis que a polícia é detentora de fé-pública.


O Delegado critica a edição da Resolução n.º 188/2018 do CFOAB e pontua que ela surgiu logo após a Resolução n.º 181/17, do Ministério Público, que regulamenta a investigação ministerial, bem como por conta da decisão do STF que entendeu pela possibilidade de o parquet investigar:

Em meio a essa anarquia funcional, em que cada agente público ou privado se arvora no direito de realizar a função que bem entender, em vez de a OAB exigir o cumprimento da ordem jurídica, optou por incorrer no mesmo equívoco do CNMP. Editou o Provimento 188/2018 por meio do seu Conselho Federal, com a pretensão de regulamentar a investigação criminal defensiva, à míngua de lei.[7]

Hoffman aduz, em síntese, que foi um equívoco a OAB legislar em causa própria; que a investigação defensiva não encontra amparo sequer nas garantias constitucionais da ampla defesa e devido processo legal, sendo que tal instituto não tem legitimidade nem mesmo sob a análise dos diplomas internacionais, eis que o art. 8º da CADH trata apenas de garantias judiciais e não extrajudiciais.

Gamil Foppel El Hireche pontua que a OAB, mesmo sem poderes para legislar, editou uma resolução limitada e que o advogado deve tomar cuidado para que a investigação defensiva não seja vista como obstrução às investigações. Hireche cobra uma atuação mais assertiva da OAB para que o problema da advocacia criminal seja de fato resolvido com situações práticas e mais concretas “que efetivamente garantam o exercício da investigação defensiva com mais segurança e eficácia”.[8]


Todavia, oportuno destacar que o Código de Processo Penal é anterior à Constituição Federal e que a Carta Magna garante a ampla defesa e o contraditório, bem como a possibilidade de o cidadão fazer tudo aquilo que não é contrário à lei.


O argumento de que não existe legislação própria regulamentando o exercício da investigação defensiva deve ser sopesado com todas as garantias conquistadas ao longo da secularização, especialmente porque o acusado é sujeito no processo e não mero objeto:

Para que a disputa se desenvolva lealmente e com paridade de armas, é necessária, por outro lado, a perfeita igualdade entre as partes: em primeiro lugar, que a defesa seja dotada das mesmas capacidades e dos mesmos poderes da acusação; em segundo lugar, que o seu papel contraditor seja admitido em todo estado e grau do procedimento e em relação a cada ato probatório singular, das averiguações judiciárias e das perícias ao interrogatório do imputado, dos reconhecimentos aos testemunhos e às acareações.[9]

Não se pode analisar com frieza a letra da lei e esquecer que pessoas são afetadas pelo resultado da persecução criminal e somente com a observância do contraditório, da ampla defesa e da paridade de armas que podemos chegar a um resultado minimamente justo.

O inquérito policial é a base do processo criminal. O processo, por sua vez, é construído a partir do inquérito policial. Negar a atuação da advocacia defensiva no estado democrático de Direito viola a prerrogativa do advogado estabelecida no art. 7º, I, XXI e outros do Estatuto da OAB, bem diversos dispositivos constitucionais já citados.


Ademais, constitui direito da sociedade a realização de atos que não são contrários à lei (princípio da taxatividade). Em contrapartida, o agente público só pode fazer aquilo que está previsto em lei. Portanto, a investigação criminal defensiva surge na tentativa de equilibrar a relação processual.


Não bastasse o exposto, os princípios da igualdade, devido processo legal, contraditório e ampla defesa são fundantes do sistema normativo pátrio. Os princípios vinculam a aplicação e interpretação da norma e servem de suporte a viabilidade da investigação criminal defensiva.

[1] BRASIL. Ordem dos Advogados. Provimento n. 188/2018. Diário Eletrônico da Ordem dos Advogados do Brasil, Brasília, DF. 31 dez. 2018. Disponível em < https://deoab.oab.org.br/pages/materia/19>. Acesso em: 13 mar. 2020. [2] DIAS, Gabriel Bulhões Nóbrega. Manual Prático de Investigação Defensiva: Um novo paradigma na advocacia criminal brasileira. 1. ed. Florianópolis: EMais, 2019. p. 65. [3] BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019. p. 159. [4] BALDAN, Édson Luís. Lineamentos da investigação criminal defensiva no Provimento 188/2018 do Conselho Federal da OAB. Seminário Internacional de Ciências Criminais, 2019, v. 1, n. 322, p. 7-9, set./2019. Disponível em: <http://arquivo.ibccrim.org.br/site/boletim/pdfs/Boletim322.pdf>. Acesso em: 1 abr. 2020 [5] MACHADO, André Augusto Mendes. A Investigação Criminal Defensiva. 2009. Dissertação (Mestre em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, p. 126 [6] SILVA, Franklyn R. A. A investigação criminal direta pela defesa – instrumento de qualificação do debate probatório na relação processual penal. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 6, n. 1, p. 41-80, jan./abr. 2020. Disponível em: <https://doi.org/10.22197/rbdpp.v6i1.308> [7]CONJUR. Advogado não pode fazer investigação criminal defensiva. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jan-29/academia-policia-advogado-nao-realizar-investigacao-criminal. Acesso em 23 abr. 2020. [8] CONJUR. Regulamentação da investigação defensiva: nem tudo que reluz é ouro. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jan-16/gamil-foppel-regulamentacao-investigacao-defensiva#author. Acesso em 23 abr. 2020. [9] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 3. e.d. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 490.

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